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‘Compre agora, pague depois’ deve passar por consolidação no Brasil

Modalidade atraiu fintechs, mas capacidade de concessão e distribuição é desafio, aponta estudo

Por Mariana Ribeiro e Ricardo Bomfim — De São Paulo | Finanças | Valor Econômico

Com a demanda crescente de consumidores e lojistas por novas formas de parcelamento no país, muitas fintechs se lançaram nesse mercado recentemente. No entanto, a tendência é que não haja sustentação para um grande número de participantes no segmento, avalia a consultoria Gmattos em estudo sobre o “Buy Now, Pay Later” (compre agora, pague depois, ou BNPL) antecipado ao Valor.

O BNPL surgiu como uma espécie de crediário digital e se popularizou no exterior, onde não existe, como aqui, a cultura de parcelamento no cartáo de crédito.

A aceitação pelos lojistas, a experiência de uso oferecida ao cliente e a capacidade de gerir todo o ciclo de crédito são apontados como fatores determinantes para definir quais projetos terão sucesso daqui para frente.

“Não dã para dizer que há um excesso de oferta, até porque claramente existe um mercado descoberto, de consumidores que não têm acesso a cartão de crédito ou limite suficiente. Mas acho que vamos ver alguma consolidação de empresas”

Gastão Mattos, cofundador e CEO da Gmattos.

As formas de pagamento parcelado designadas BNPL só mais recentemente vêm ganhando espaço no país, onde o crediário e o parcelamento sem juros no cartão de crédito são modalidades consolidadas. Aqui, o conceito passou a ser associado a uma nova onda de parcelamentos ofertados como alternativa às opções tradicionais.

Conciliação de formas de recebimento pelo lojista e integração das novas soluções no checkout são barreiras

Para especialistas consultados pelo Valor, o modelo tem sido muito bem-sucedido em países da Europa e nos Estados Unidos. No caso do Brasil, ainda esbarra na concorrência de outras modalidades, mas a visão é que a popularizaçáo do Pix pode se tornar uma saída. A Gmattos estima que, somente considerando as transações negadas por falta de limite no cartão de crédito, o mercado de BNPL tem o potencial de alcançar mais de R$ 80 bilhões por ano.

O estudo conduzido pela consultoria identificou que existem três grupos diferentes ofertando essas novas opções no país. O primeiro é o de bancos tradicionais, voltados a lojas de bens de consumo duráveis, para um parcelamento de longo prazo. O segundo é de grandes lojas, com estrutura interna para o ciclo de crédito e financiamento. O terceiro, foco da análise, é o de fintechs, que, em geral, têm uma oferta com menor número de parcelas e sem juros para o consumidor, embora já sejam encontradas opções com juros. Os pagamentos costumam ser por Pix ou boleto.

Em relação à distribuição, um dos pontos considerados críticos para o crescimento de fintechs voltadas ao BNPL, a consultoria afirma que existe uma dificuldade para essas empresas aproveitarem prestadores de serviços na área, como as credenciadoras, por possíveis conflitos e inadequação ao modelo de negócio. Outra concorrência vem dos próprios varejistas de médio e grande portes, que muitas vezes oferecem crediário próprio. Assim, a distribuição própria e orgânica pode ser lenta e cara.

Outro ponto importante diz respeito à capacidade de conceder crédito com rapidez e segurança. Mattos afirma que, nas simulações realizadas para o estudo, houve casos em que o parcelamento foi aprovado de imediato, enquanto em outros o aval chegou a demorar três dias. “O histórico de concessão de crédito no Brasil é muito ligado a bancos. É um desafio para novas empresas”, acrescenta o consultor. Ele lembra que, nesse sentido, a tecnologia é um fator fundamental para otimizar o processo.

O open banking é um fator que pode, em teoria, ajudar muito as fintechs na concessão de crédito, diz o consultor. Ele pondera, no entanto, que ainda não está claro se o sistema ganhará tração e alcançará um volume expressivo de trocas de informações. “O Banco Central criou essa ponte, mas ainda não hã muitos veículos trafegando. É algo novo, precisamos observar.”

O estudo cita ainda outros desafios, como a conciliação de mais uma forma de recebimento pelo lojista, fora do fluxo usual de bancos e adquirentes, e a integração das novas soluções no checkout.“Considerando que lojas relevantes não tendem a integrar diversas soluções com o mesmo propósito, a presença das fintechs BNPL no checkout é um gargalo estratégico”, diz.

Pedro NoII, sócio e diretor de marketing da fintech de BNPL Boleto Flex, destaca que há muitas empresas entrando no mercado e que a capacidade de distribuição e gestão da inadimplência são diferenciais competitivos importantes. Para ele, jã há uma certa saturação da oferta de crédito no e-commerce e as maiores oportunidades estáo hoje no mundo físico.

O parcelamento fora do cartão de crédito nas compras presenciais ainda é muito baseado no crediário, oferecido em geral por médios e grandes players. A loja pequena acaba não tendo um canal”

explica.

A Boleto Flex oferece parcelamento em até 24 vezes, sem juros até cinco parcelas. A empresa tem parceria com a PagSeguro para oferta de crédito via maquininha. A solução está presente em cem lojas, físicas e virtuais, e a intenção é chegar a mil neste ano.

Henrique Weaver, cofundador e CEO da Pagaleve, lembra que a implementação do Pix Garantido, funcionalidade de parcelamento que ainda será implementada pelo BC, permitirá que um único QR seja gerado no parcelamento, autorizando os débitos nas contas nas datas combinadas. Para ele, isso reduzirá ainda mais a fricção do modelo, melhorando a experiência do consumidor.

A fintech oferece opção de pagamento em quatro parcelas quinzenais por meio do Pix e trabalha com um modelo de valor fixo para atraso. Hoje, está presente em 180 lojas on-line e está começando os testes nas físicas. A ideia é que até o final de 2022 chegar a 1 mil varejistas.

Do ponto de vista de popularização no modelo no país, Victor Pego, consultor sênior de tecnologia bancária da Temenos para América Latina e Caribe, lembra que há uma grande fatia da população ainda desbancarizada ou com limites muito baixos no cartão de crédito, o que criaria uma brecha para as empresas de BNPL crescerem por aqui. Essa população é justamente a que foi mais impactada pelo surgimento do Pix.

Hoje, quem não tem limite paga à vista. Essa pessoa poderia ter um BNPL, mas a condição para isso acontecer é o lojista confiar na companhia que ofereceu a possibilidade de parcelamento”

Carlos Netto, CEO da Matera e um dos idealizadores do Pix.

Para ele, um dos principais desafios para o modelo decolar no Brasil é a integração de softwares entre o sistema do lojista e o aplicativo que será usado pelo consumidor. Netto entende que, se houver uma multiplicidade de instituições oferecendo o serviço, a necessidade de integrar diversos sistemas pode desestimular os comerciantes a usá-los, ainda mais se cada banco ou fintech firmar parceria com uma varejista específica.

“Com o Pix, há só um trilho para integrar. Ele cumpre o papel. O lojista gera o QR Code do Pix, eu leio e pago em qualquer Iugar”, diz. O desafio, na sua opinião, é criar um bom sistema de análise de crédito que permita saber a capacidade de pagamento dos consumidores para que os lojistas se sintam mais seguros.